terça-feira, 28 de junho de 2011

Flor da Noite



Esse perfume que guardo de ti
Não me pertence.
É tão meu quanto o brilho
Da estrela que da existência
Só resta a luz.
A mesma luz que me faltará
À hora marcada
Sem prorrogação
Que por agora
Já me é fraca,
Fosca...
Como a claridade do dia
Metamorfoseando a noite.

                                           Aline Monteiro

“A noite ultrapassou a si mesma, encontrou a madrugada, se desfez em manhã, em dia claro, em tarde verde, em anoitecer e em noite outra vez. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo.”

Caio Fernando Abreu
(Inventário do ir-remediável – Inventário do ir-remediável)

terça-feira, 21 de junho de 2011

Linguagem



Quero a tua linguagem mais simples
Recitando versos baixinho
Ao pé do ouvido.
Essa linguagem clara e limpa
Que não precisa de tradução
Muito menos dicionário.
Quero tua fala improvisada
Sem rima, sem rodeio
Quero as tuas gírias, teus jargões,
teus clichês...
Quero o teu lugar comum
Pra eu me jogar,
Pra eu me deitar,
Pra eu me encontrar...
Quero tua linguagem,
Quero tua língua,
Quero tua boca
Recitando estes versos
Bem junto,
Bem baixinho...
Ao pé do meu ouvido...

                                                  Aline Monteiro


"Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua"

(Língua - Caetano Veloso)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Troféu


O que sobrou de ti
é somente o que vejo
Alguns objetos
Talvez algumas lembranças
Nem sei...
Mas o teu gosto se esvaiu
O perfume evaporou...
O que sobrou de mim
Apenas a firmeza
Do ponto final.
O que sobrou de nós:
Dois desconhecidos
Que se cumprimentam
Por educação...

                              Aline Monteiro

“É meu troféu, é o que restou
É o que me aquece sem me dar calor
(De mais ninguém – Marisa Monte e Arnaldo Antunes)

segunda-feira, 13 de junho de 2011


E aquele choro mais uma vez
Se espalhou pelo teu rosto cansado...
Teu riso contido insiste em
Morar em tua face
Não sei ao certo, não sei
Se é um riso contido
Ou um riso que não existe mais
Porque acabou?
Não é a verdade o que me cobras?
Então qual é a tua verdade?
O que sonhas
Ainda sonha?
Sei que mentes
Mas não sei o quê...

                                                      Aline Monteiro

Meu amor essa é a última oração
Pra salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na despensa
Cabe o meu amor!
Cabem três vidas inteiras
Cabe uma penteadeira
Cabe nós dois...
(Oração – A banda mais bonita da cidade)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Inevitável poema


Queria saber
Do que é feita
Essa poesia
Que de mim
Se revolta,
Domina.
À qual, delirantemente
Me entrego sem esforço,
Ou resistência.
É uma sede infinita
Mas tão agradável de sentir
Que viveria morrendo
Desse mal.
Não é um trabalho
Pois me recuso
A aceitar
Horários fixos
Seja lá quais forem...
Inspiração não marca
Horário nem reunião.
Não é esporte.
É coisa séria e brincadeira.
É pôr-do-sol e tempestade.
Vida e morte.
É renascimento.
A primeira e a última chance...
A poesia precisa de vida
Pra existir.
Mas quando olho
Pra mim
Eu ainda duvido
Se há vida
Lá dentro.

                                                                        Aline Monteiro

"só o incompreensível é infinito"
Caio F. Abreu
(Ponto de fuga - Inventário do ir-remediável)

domingo, 5 de junho de 2011

Porta-retrato



Tudo o que tenho teu
É um sorriso emoldurado
Pela minha memória
Sagaz e detalhista.
O que guardo de ti é tão pouco...
Um pouco que tanto amo
Porque, nesse instante,
 é tudo que tenho teu...

                                               Aline Monteiro

"...dos nossos planos
é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos
na mesma direção
Aonde está você agora
além de aqui dentro de mim..."
(Vento no litoral - Legião Urbana)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Direito


Quero todas as emoções.
Uma por dia.
Prendê-las em meus poemas
E achar algum sentido
Pra essa estranha mania
De emoldurar sentimentos,
Estagnar o vazio,
Fotografar saudades.
Quero todas as emoções.
Centímetro por centímetro.
Porque me pertencem.
As emoções. Todas.
Uma por dia...
                                                                        Aline Monteiro

"Porque ver é permitido, mas sentir já é perigoso. Sentir aos poucos vai exigindo uma série de coisas outras, até o momento em que não se pode mais prescindir do que foi simples constatação."
Caio Fernando Abreu
(Os cavalos brancos de Napoleão - Inventário do ir-remediável)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Microcontos





“...e agradeceu por ter perdido a fé: -Graças a Deus!”

“Queria ver além das retinas. Fechou os olhos.”

“Provou que era amor indo embora.”

“O homem sem fé pediu a Deus que lhe desse sorte.”

“Só conseguiu se perder tentando se achar.”

“ouviu tanto ‘não’ que esqueceu o significado da palavra ‘sim’.”

“Tinha a mania de colecionar sorrisos bonitos.”

“Achava o sonho grande demais para se tornar realidade.”

“Fugiu porque era bom demais pra ser verdade.”

“Sorriu porque era bom demais.”

“Dormiu com a caneta na mão esperando o microconto.”

“Acordou só pra escrever este microconto.”

“Não agüentou, queria um antídoto para o vício de microcontos.”

“...e tudo o que sobrou foi um microconto.”

                                                                         Aline Monteiro

Aviso: microcontos são irritantemente e deliciosamente viciantes!
Estou com a estranha sensação que eu não escrevi estes, tenho a impressão que roubei as idéias de algum lugar, de forma involuntária claro!


"Dentro da ampulheta, já prisioneiro das horas, lembrou-se de quando o tempo não o soterrava".(texto da imagem acima)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Elizabeth



Elizabeth não chora.
Elizabeth não reclama.
Elizabeth é paciente.
O que será que sonha
Quando adormece?
O que pensa quando
Seu olhar perdido
Se encontra com o meu?
Minha Rainha,
Da tua beleza
Não tenho dúvida
Mas por que não sorris?

                                             Aline Monteiro

"O meu dia só existe porque você existe dentro dele"
Caio Fernando Abreu
(O rato - Inventário do ir-remediável)