sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Desconstrução



Eu não sou poeta...
Eu não me sinto poeta...

Poeta é quem é íntimo das palavras
É quem as domina
Ou se deixa dominar por elas...
Sendo elas a metade do outro
E o outro a parte complementar...

Eu não sou poeta...

A minha metade é sempre
Vazia e
As palavras de mim se repelem
Como sonhos impossíveis,
Inatingíveis...
Um Amor Platônico...

Eu não sou poeta...
Eu não poderia ser poeta...

Não conheço todas
As palavras
Não decorei todas
As regras...
O que sei
É o que me parece
Óbvio, relevante...
Às vezes, só imaginação...

Eu não sou poeta...
Não posso ser poeta...

Meu vocabulário escasso,
Palavras que conto nos dedos...
Que combino
Arranjo e rearranjo
Me repito,
Me desgasto,
Me esvazio...

Não sou poeta
Não quero ser poeta...

Conhecer todas as métricas
Viver com a obrigação
Da rima,
Do soneto, do quarteto,
Do terceto,
Da vírgula,
Do ponto...

Eu não posso ser poeta...

sou reticente demais
na fala, na escrita,
no gesto, no olhar...
e na vida, então...
sou pausa prolongada
intencional, estratégica
necessária...
sou intervalo, sou espaço,
sou descompromisso...
sou silêncio...

eu não sou poeta...
eu não mereço ser poeta...

pelo meu egoísmo,
pelo meu atraso,
pelo meu pessimismo,
pelo meu mau humor,
pelo meu medo,
por tudo que não sei,
por tudo que não li,
por tudo que preciso
saber...
sobre leis, filosofia e arte...

eu não sou poeta...

porque quero perder
o meu tempo
com detalhes
e não achá-lo
nunca mais...
porque ainda há
muito o que aprender
e me desprender...

eu não sou poeta...
eu não sou poeta...


                                                                  Aline Monteiro



“Estou com vergonha da poesia, ela mostra o que sempre escondi, disse ela. Faz de conta que não é você, eu disse. Impossível, tem o meu rosto.” (Poesia, aluna da beleza – Nei Duclós)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Porto



Me pintaram
O coração
Cores amenas,
Sem grandes atrativos
Aos que chegam
E passam...
Meu coração
Mar aberto
Sem margem...
Coração sem porto
Nem chegada...

                                                            Aline Monteiro


“...eu quero a sorte de amor tranquilo...”
(Todo amor que houver nessa vida - Cazuza)

domingo, 4 de dezembro de 2011

À moda antiga



À moda antiga
Me abres a porta
E o coração...
E tão naturalmente
Dominas as palavras
Que ouço
Uma por uma...
Palavras que conto
Extasiada,
De brilho nos olhos...
Me denunciando
Tua fã
E tudo o que quiseres
Que eu seja...
Tudo o que em
Mim possa existir,
Tudo o que
Minha imaginação
Certamente
Não alcançará...
Tudo o que não sou,
Tudo o que não fui,
Tudo o que se transforma
Quando passas,
Tudo o que se acende
Quando te vejo,
Tudo o que cala
Quando falas...

                                                     Aline Monteiro


“Deixa o teu ser mudo me fazer falar...”
(Escudos – Maria Gadú)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Retrovisor




O que tenho a te oferecer
Vai além do que
Consegues ver.
É um poema novo,
Sem memória
E previsões.
Perto de ti
Nada me parece igual,
Nada se repete
Por isso as palavras
Me faltam
E me deixam
De cara contigo...
O que tenho a te oferecer
Vai além de tudo o que me falta,
Vai além do que
Consegues ver
pelo retrovisor...

                                                                              Aline Monteiro



“...pois tudo que ofereço é
Meu calor, meu endereço...”

(Amor meu grande amor – Barão Vermelho)

Segundo



Escrevi um poema
Repleto de saudade,
Cheio da tua ausência...
Escancarado
De amor...
Do amor
Que acreditou
Não existir...
E existir é tudo
O que este amor
Tem feito.
Existir no meu peito
Preso,
Pulsando
A cada pausa
Da tua respiração,
A cada batida
Do teu coração...
A cada fração
De segundo
Da minha vida...


                                                           Aline Monteiro


 “Meu coração
É apenas um chapéu surrado
Que humildemente estendo
Para colher um pouco de tua alegria.”
(Francisco Alvim)

sábado, 12 de novembro de 2011

Presente



Silenciosamente
No espaço entre a luz
E a escuridão
Você foi a chegada.
O renascimento
Da minha esperança
desacreditada.
Você foi o
Meu caminho inesperado,
A fonte da juventude.
A tempestade que passou,
O dia que nasceu
Desertificado de tudo
Para que recomeçássemos
Pela luz dos teus olhos
Sem vícios...
Você presente de Deus,
Meu presente
Daqui pra frente,
Sempre!

                                                                 Aline Monteiro


“Meu presente é minha canção [...]
...E você pode dizer a todos
Que essa é a sua música
Pode ser bem simples
Mas agora está pronta
Espero que não se importe
Espero que não se importe
Que eu me expresse por palavras...
Quão maravilhosa a vida é
Agora que você está no mundo”

(Your Song – Elton John)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sintoma



A lua subiu e
Foi embora...
Deixando
Esse rastro
De escuridão
No meu peito...
A lua desapareceu
E disse, já de longe
Ser só saudade
Tudo o que me cabe.

                                                                      Aline Monteiro


 “Por onde vou guiar
O olhar que não enxerga mais
Dá-me luz, ó Deus do tempo
Dá-me luz, ó Deus do tempo
Nesse momento menor
Pr’eu saber seu redor [...]
Através eu vi
Só o amor é luz
E há de estar aqui
Até alto e amanhã
Quem fica com o tempo
Eu faço dele meu
E não me falta o passo, coração
E não me falta o passo, coração...”

(Horizonte distante – Los Hermanos)

sábado, 29 de outubro de 2011

Sorria



A minha felicidade
Mora no teu sorriso...
Então, te peço
Apenas que sorria
E perdoe
O mau gosto
Que tenho para tudo...
Porque mau gosto
É isto
Gostar do que
Quase ninguém
repara...
Da árvore nua
Na esquina
Da esquina tomada
De folhas secas
Das folhas secas
Que caíram
Da árvore nua...
E se ainda te pareço,
Assim sem sentido
Então, repara
Nas folhas,
E por quem elas caem...

                                                                          Aline Monteiro


“Clareia minha vida, amor, no olhar”
(Pois é – Los Hermanos)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A parte que me falta



Sou tão saudade
a ouvir
Uma música antiga...
Som abafado
das memórias
Meio verdades
Meio invenções
Meio filmes
“Blanc et Noir” cheio de
Sorrisos de propaganda
Retrato na parede
Cheiro de tinta fresca...
O sofá ao luar
A contar estrelas
Nossas trilhas
Nossas histórias...
Sem drama ainda
Sem o terror da pena
O romance era comédia
De final feliz
E feliz nossos sorrisos
No fim
Pedindo bis
Até chatear
Até a novidade
Ser clássico
E o clássico
Virar esse cheiro
De poeira...

                                           Aline Monteiro



“Mas quando você me amar, me abrace e me beije bem devagar
Que é para eu ter tempo, tempo de me apaixonar
Tempo para ouvir o rádio no carro
Tempo para a turma do outro bairro, ver e saber que eu te amo
Meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente
Tome um refrigerante, coma um cachorro-quente
Sim, já é outra viagem e o meu coração selvagem
Tem essa pressa de viver”
(Coração Selvagem – Belchior)


Na foto, meu querido amigo Thiago Soeiro.

domingo, 16 de outubro de 2011

Improviso



Palavras improvisadas
Para enganar minha fome
E matar nem que seja
De mentirinha
O desejo de viver o verso,
Ritmar a rotina,
Aliviar a vida...
Quero apenas poesia
É tudo o que quero!
Guardada as pedras
Assim como minha voz
Que, um dia, cantará rouca
O refrão dos meus versos...

                                                             Aline Monteiro



“O dialeto que se usa
À margem esquerda da frase,
Eis a fala que me lusa,
Eu, meio, eu dentro, eu, quase.”
(Paulo Leminski)